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Capítulo 8: preparando-se para a cobertura de desastres

Sarah Knight é a diretora de conteúdo regional da rede de rádios públicas ABC Local Radio na Austrália. Em seus 25 anos na Australian Broadcasting Corporation (ABC), Sarah foi responsável pela cobertura de diversas emergências para a Local Radio, incluindo os incêndios em Roleystone Kelmscott e no Margaret River em 2011 e o ciclone tropical Rusty em 2013, entre muitas outras. Ela tem sido uma das líderes no treinamento em práticas de cobertura de emergências dentro da organização. Knight é responsável por equipes em seis estações de rádio no oeste da Austrália, desde o sul, que é propenso a incêndios e inundações, ao norte, onde costumam ocorrer ciclones, incêndios e inundações.

Veículos de comunicação tradicionalmente têm tido dois papéis básicos durante uma situação de crise. O primeiro é proporcionar às pessoas as informações de que precisam para reagir a um evento. Essas informações devem ser claras, oportunas e inequívocas. Muitas vezes, elas vêm diretamente de órgaos do governo, exército, bombeiros, polícia ou outra fonte oficial.

O segundo papel é o que as redações praticam (ou deveriam praticar) todos os dias: compartilhar informações críticas de forma justa e sem parcialidade ou preconceitos.

Hoje em dia, existe também uma terceira função. As pessoas hoje muitas vezes ficam sabendo sobre a ameaça de um desastre natural ou outro tipo de emergência através das redes sociais. Em vez de serem os primeiros a informar as pessoas sobre um acontecimento do tipo, redações jornalísticas e outras organizações frequentemente se encontram agindo como uma segunda fonte crítica de verificação; um filtro que separa informações valiosas dos ruídos de comunicação e boatos.

A preparação é a chave para obter informações precisas para as pessoas que delas necessitam e para garantir que você não transmita informações falsas acidentalmente.

O que você pode fazer para se certificar de obter as informações de que precisa para manter as pessoas seguras e ser a fonte confiável durante momentos de caos e confusão? Neste capítulo, veremos algumas maneiras simples de se preparar para oferecer informações rápidas e de qualidade durante uma emergência.

Princípios de preparação

A primeira coisa a decidir é que papel informativo sua empresa vai exercer. Você vai fazer reportagens e/ou ajudar a comunidade com emissão de alertas e conselhos imediatos? A Australian Broadcasting Corporation separa os dois papéis. Nossas reportagens e programas nas emissoras da Local Radio, e até certo ponto o nosso canal de notícias 24 horas, o News24, emitem alertas e conselhos oficiais e exibem reportagens mais completas posteriormente.

As políticas da ABC determinam que a difusão em casos de emergência consiste em transmitir avisos formais e oficiais relacionados a um acontecimento e informações fornecidas por outras fontes, incluindo chamadas de ouvintes e mídias sociais e o que chamamos de "recovery broadcasting", que consiste na transmissão de histórias humanas, de pessoas comuns, com o objetivo de ajudá-las a se recuperar.

Informação local

Depois de definir os papéis, o próximo passo é armar sua equipe com as informações locais de que precisam para responder rapidamente e para entender as implicações de uma possível ameaça. Isso significa analisar que tipos de situações de emergência podem ocorrer em sua região e se preparar para elas.

Algumas perguntas a considerar:

  • Quais são os desastres naturais mais comuns em sua região?
  • Que tipo de crime ou emergência costuma ocorrer?
  • Quais são as estruturas críticas na área (estradas, pontes etc.)?
  • Há agências do governo ou instalações militares que poderiam ser alvos de ataques?
  • Quais são as estradas e outros elementos de infraestrutura mais arriscados, que frequentemente são cenários de incidentes?
  • Que bairros/regiões são preferidos por gangues, grupos rebeldes etc.?

Agora que você já identificou algumas das situações mais prováveis, comece a construir uma lista de fontes confiáveis ​​- tanto oficiais quanto não-oficiais - que terão informações importantes e úteis.

Isso inclui socorristas (eles estão no Twitter? E no Facebook? Você pode montar uma lista com os perfis para tê-la pronta quando necessário?), bem como especialistas locais em universidades, ONGs e órgãos do governo, além dos reponsáveis por comunicação em importantes agências, empresas e outras organizações.

Reúna números de telefone, contas de Twitter e Facebook e coloque tudo em um formato único e acessível, seja um banco de dados, planilha compartilhada ou outra forma que preferir. Organize seus contatos de acordo com o tipo de situação em que eles podem ser mais úteis.

Construindo relacionamentos

Todo jornalista ou trabalhador de ajuda humanitária precisa de contatos. Mas isso não significa apenas números de telefone e outros detalhes - é preciso construir relacionamentos. Fontes confiáveis ​​para as quais você pode ligar para obter informações de qualidade. Fontes que confiam em você.

Essa confiança não vai se desenvolver instantaneamente durante uma emergência. Você precisa ser proativo. Se possível, encontre suas fontes cara a cara. Convide-as para conhecer sua redação, escritório ou outras instalações. Mostre a elas o que você faz com as informações que elas fornecem. Explique como você irá ajudar a fazer a mensagem chegar até as pessoas que dela necessitam. Tire um tempo para visitá-las e ver como elas trabalham durante uma emergência. Entenda os processos e as pressões sobre elas. Conhecer suas fontes pessoalmente vai lhe ajudar a ter prioridade quando elas estiverem ocupadas lidando com várias solicitações.

Além das relações com pessoas-chave em serviços que atendem a emergências e outras organizações/agências, dê atenção ao relacionamento com o seu público.

Será que eles sabem que você vai fornecer informações rapidamente? Será que eles sabem quando eles provavelmente vão ouvir ou ver essa informação? Será que sabem quais os serviços que você oferece - e não oferece - durante uma emergência?

Para redações, pautas produzidas são uma forma de comunicar a mensagem de que você vai ser uma fonte de informações que podem ajudar a população. Por exemplo, na ABC publicamos matérias que dão uma ideia de como a próxima época de incêndios vai ser, além de guias para montar um kit de sobrevivência em emergências. Esse tipo de conteúdo pode ser oferecido por redações jornalísticas, agências de ajuda humanitária e outras organizações, e ajuda a dar uma ideia de como você pode ser útil para o público.

Também é importante estimular o fluxo de informações no outro sentido. Seu público será uma valiosa fonte de informação durante uma emergência. Incentive os cidadãos a ligar, mandar e-mails ou enviar SMS com informações. Isso pode começar com situações cotidianas como engarrafamentos, fotos das condições meteorológicas, entre outras coisas.

Treinando a equipe

Na ABC, nós começamos com um Plano de Transmissão em Emergências. Nesse plano há instruções claras sobre como tratar avisos oficiais no ar, além de informações como mapas de cobertura de transmissão, para certificar-se de que as advertências cheguem às pessoas afetadas.

Também faz parte desse plano uma série de informações que os âncoras podem usar no ar para ajudar as pessoas, vindas de várias agências de gestão de emergências. Por exemplo: "encha sua banheira com água para que você possa usá-la para apagar incêndios no local, se a pressão da água cair", ou "aperte todas as telas de segurança contra ciclones. Bloqueie janelas expostas usando tábuas ou fitas isolantes resistentes."

Parte de sua preparação também deve incluir compilar recomendações que podem ser oferecidas ao público quando ocorre uma catástrofe. Isso pode ser coletado quando você entrar em contato com suas fontes com antecedência.

Certifique-se de criar processos internos que exigem se reconectar com as fontes para garantir que essas informações sejam atuais. Essa atualização pode ser programada, caso sua região seja propensa a situações de emergência relacionadas com o clima.

No norte da Austrália, por exemplo, os ciclones são uma grande preocupação. Eles também são relativamente previsíveis, já que há uma estação em que a ocorrência deles é mais provável. Antes dessa temporada, nossos planos locais são atualizados e as agências de atendimento a emergências são contactadas para que possamos verificar se as informações e os contatos ainda estão corretos. Os funcionários se reúnem para executar todos os procedimentos em pequenos grupos.

Isso não só garante que as informações contidas no plano sejam atuais, mas também ajuda a restabelecer os relacionamentos com fontes que possam ter sido negligenciados durante um período mais calmo.

Uma ferramenta que nós achamos útil ao treinar funcionários são hipóteses com base nas experiências anteriores. As hipóteses forçam a equipe a pensar o que fariam nesse cenário e às vezes podem levar a grandes discussões sobre as melhores práticas. Tecnologia e ferramentas mudam rapidamente, então esta pode ser uma ótima maneira de garantir que vocês estejam atualizados.

Nós lançamos essas hipóteses em diferentes níveis, por exemplo:

  • O que fazer quando um evento climático catastrófico é previsto?
  • O que você faz quando é convidado a evacuar o estúdio?
  • E se você está no seu turno de trabalho normal e chega um alerta?

A saúde e a segurança no trabalho são preocupações centrais. Certifique-se de que sua equipe tenha a formação adequada para estar em zonas perigosas. Na Austrália, por exemplo, as autoridades de incêndio e de emergência realizam sessões de formação para os meios de comunicação sobre como transmitir notícias a partir de zonas de incêndio; funcionários não são enviados para tais locais sem concluir o treinamento.

Agências de atendimento a emergências muitas vezes executam sessões de treinamento de mídia para jornalistas - sobre os perigos de ir até locais de incêndios, por exemplo. Isso pode ser especialmente importante se apenas jornalistas credenciados com essa formação forem capazes de passar por barreiras para relatar a história. Além disso, o treinamento em si é outra maneira de o jornalista fazer contatos dentro da organização de emergência e começar a construir confiança. Para as organizações de ajuda humanitária, treinar a equipe é especialmente importante, pois eles podem permanecer no local dos acontecimentos por longos períodos de tempo.

Por fim, não negligencie os novos membros de sua equipe. Temos uma política de treinar o pessoal sobre os procedimentos para noticiar emergências em até duas semanas depois da sua entrada na empresa. Emergências infelizmente não esperam por uma sessão de treinamento anual!

Comunicação interna

Não basta ter vias de comunicação rápida com as partes interessadas externas. Você também precisa elaborar um fluxo de trabalho e comunicação para você e seus colegas trabalharem juntos.

Algumas questões importantes a considerar e a responder incluem:

  • Como você vai comunicar o que está fazendo ao resto da empresa?
  • Quem é o encarregado de tomar as decisões finais sobre o que é compartilhado/publicado/transmitido?
  • Existe um paywall (cobrança pelo acesso a edições digitais) que precisa ser desativado durante uma emergência?
  • Vocês vão ter uma seção específica no site?
  • O que a sua equipe de suporte técnico precisa saber/fazer? E quanto aos seus desenvolvedores de sites? E os editores de redes sociais?
  • Seus transmissores e outras infraestruturas importantes estão seguros?

Na ABC, desenvolvemos um Relatório de Situação que é distribuído amplamente, através do nosso sistema de e-mails, quando há uma emergência significativa. Isso garante que todos tenham uma ideia da ameaça e da resposta da ABC e de quem está gerindo a situação de emergência internamente.

O "Sitrep" é uma ferramenta útil não apenas para se comunicar internamente, mas também como uma lista de verificação para os gestores quando existe o perigo de paralisia devido à sobrecarga de informação. [^1]

[^1]Para saber mais sobre isso, consulte a publicação “The Checklist Manifesto”, por Atul Gawande

Grupos de distribuição por e-mail com as pessoas-chave das equipes em cada Estado foram criados e são mantidos regularmente para facilitar a distribuição. Você também pode usar listas de envio de SMS e outras formas de compartilhamento de informações com seus funcionários. Nós usamos o Whispir, uma ferramenta interna de e-mail/texto que pode emitir alertas de emergência para notícias de última hora.

Durante uma grande emergência, como os recentes incêndios florestais de New South Wales, pedimos ao resto da rede para não entrar em contato com a equipe que está lidando com a situação para pedir entrevistas sobre o acontecimento. Pedimos também que as equipes de fora da área afetada não liguem para as autoridades de emergência, para que elas não fiquem sobrecarregadas. Às vezes alocamos alguém para lidar especificamente com os pedidos de fora, para que nossa equipe possa se dedicar a oferecer informações úteis para as pessoas sob ameaça.

Quando se trata de verificação, o fator-chave para se comunicar é o fluxo de trabalho de acordo com o qual as informações serão reunidas, verificadas e depois aprovadas ou negadas para publicação. Quem faz a verificação e quem revisa esse trabalho? Como você garante que cada parte do conteúdo seja analisada por muitos olhos ao mesmo tempo em que consegue avançar rapidamente e transmitir informações importantes?

Broadcasting de recuperação

Os veículos de comunicação sempre querem cobrir e responder a uma emergência durante o auge do desastre, mas as comunidades afetadas podem levar muitos meses ou anos para se recuperar. As redações devem se planejar para ir a esses lugares depois do acontecimento para apoiar as comunidades com informações que eles possam usar. Essa questão não é tanto um problema para organizações de ajuda humanitária, que costumam encarar esse aspecto com prioridade.

Estar lá durante esse momento pode construir a confiança em relação à organização. Uma das queixas mais comuns nas situações posteriores a uma emergência é sobre um sentimento de abandono.

Você também precisa ajudar na recuperação de sua equipe. Uma conversa ("debrief") após a emergência é essencial para permitir que as pessoas desabafem e para certificar-se de que você entendeu o que aconteceu, a fim de melhorar o seu serviço na próxima vez. Não tenha dúvida: haverá uma próxima vez.

Os membros da equipe também devem receber atenção individual. Muitas vezes, esses acontecimentos podem ser traumáticos, e não apenas para aqueles que vão fisicamente à zona do desastre. Os funcionários podem ter sido afetados pessoalmente, com membros da família em risco, por exemplo.

Depois dos incêndios florestais "Black Saturday" que aconteceram em Victoria, na Austrália, em 2009, muitos funcionários relataram sentir-se impotentes após receber inúmeros telefonemas de pessoas desesperadas que viviam nas zonas de incêndio. Anos depois das inundações de Queensland de 2011, a equipe que "aguentou firme" relatou sintomas de estresse pós-traumático. É importante que a equipe e os gerentes reconheçam os sintomas de estresse no local de trabalho e tenham as ferramentas ou recursos à mão para ajudar.

Você pode cobrir uma emergência sem preparação, mas a sua cobertura será mais eficaz e menos estressante para a equipe se você criar um plano, desenvolver relacionamentos com as partes interessadas, estabelecer os caminhos de comunicação dentro de sua organização e assegurar o bem-estar do pessoal através de treinamento, oferecendo apoio durante um evento emergencial e tendo conversas eficazes posteriormente.

Dica para as organizações de ajuda

As organizações de ajuda humanitária precisam considerar o público-alvo das informações. Seu objetivo é obter informações e fornecê-las para seu pessoal presente no local, para direcionar seus esforços? Você está oferecendo informações para a mídia ou para o governo? Você está se comunicando diretamente com o público por meio das redes sociais?

Lembre-se que se você não disser às pessoas o que a sua organização está fazendo... quem vai dizer? Alguém vai, e essa pessoa pode não ser muito específica. Certifique-se de que não haja um vácuo de informação.


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